quarta-feira, 18 de abril de 2012

A menina e o crítico

Sinto falta de escrever como antes. Falar qualquer besteira e me sentir aclamada pelos críticos que moram dentro do meu cérebro. Mas, de repente, eles tornaram-se seres exigentes. Querem textos de qualidade, com concretude, objetividade, unidade temática e questionamento, como em uma aula de Leitura e Produção Textual. Ou então, uma poesia. Mas não qualquer poesia. Alguma com rimas (eles não vivem sem rimas) e que consiga ser vizualizada em imagens. Meus críticos mentais tornaram-se uma banca acadêmica exigente. Não posso mais dizer "como é bom levar choque na fisioterapia" sem definir o choque, a sensação que transmite, o objetivo de levá-lo... Meu próprio cérebro não me permite mais escrever.
O que mais faz falta é poder desabafar decentemente, sem ter que apagar tudo, porque um certo cérebro não quis que eu escrevesse tão informalmente. "O que quiseste dizer com isso, Marcella? Enlouqueceste?", diz o crítico, tentando ser o mais formal possível, enquanto eu digo "tu me enlouquece, cérebro, enlouquece, sem S no final", pra ver se ele cala a boca. Dá vontade de escrever só besteira. Mas o controle de qualidade não deixa. "Apaga, Marcella, apaga. É o melhor que tu fazes", repete o cérebro purista. "Cala a boca, porra", é o que eu respondo, sendo grossa mesmo, fazendo questão de chutar o crítico onde eu sei que dói. Em pleno vocabulário...
Hoje, o crítico ficou triste. Devido ao alto controle e censura ao que eu escrevo, resolvi não escrever nada, e o acadêmico quis voltar a ser meu amigo. "Escreve alguma coisa, vai, Marcellinha. Eu até falo 'tu escreve', olha só como sou descolado. Ainda se fala 'descolado', não é?". Ele tentou, por todos os meios, me fazer escrever algo. "Só um bilhetinho, por favor?". Mas a greve persistia. Dessas mãozinhas não sairia palavra alguma.
Eu queria poder dizer que venci a batalha, ou que o crítico venceu. Queria poder declarar um vencedor. Porém, não houve vencedor real. Eu escrevi, mas não faço ideia de onde se encontram aquelas quatro qualidades iniciais nesse texto aqui, nem sei o grau de formalidade dele. Porém, como quis meu companheiro crítico, não consegui ficar um dia sem produzir. Escrever se tornou uma obrigação, nem que fossem duas linhas de mensagem de texto. Se eu não escrevo, é como se houvesse uma bola de vidro entalada na minha garganta, pronta pra quebrar. Ou eu sufoco, ou eu machuco minha faringe, ou eu escrevo, e mando a bolinha embora.



E nesse momento, você ouve uma bolinha de vidro caindo ao seu lado e se despedaçando.